domingo, 1 de outubro de 2017

Porto Velho: favela de 103 anos


Porto Velho: favela de 103 anos



Professor Nazareno*

           
     Porto Velho, a esquecida e abandonada favela, está aniversariando. Com todo o respeito às favelas, completamos 103 anos. “A velha e doente prostituta continua sendo estuprada e ainda tem que pagar pelo preservativo”. Sem nunca ter sabido ao certo a origem do seu esquisito nome, a cidade acumula neste século de infeliz existência uma série de características bastante peculiares no país e que para nada servem: tem a maior área territorial dentre as capitais brasileiras superando países como a Bélgica, Israel e Eslovênia. É a mais populosa cidade fronteiriça nacional com pouco mais de 500 mil habitantes e é a única capital que faz fronteira com o exterior. Maior município do oeste brasileiro tem o título de cidade onde mais se morre por raios. Como se vê, até a fúria da natureza manda suas descargas para cima do lugar como se aqui fosse amaldiçoado.
            E a cidade é amaldiçoada mesmo, pois em todo este tempo de desventuras, nunca teve um único filho a lhe administrar. Parece uma praga, pois todos os seus prefeitos foram importados e que nunca demonstraram amor ao torrão alheio e distante. Até o atual prefeito, que é de Pernambuco, trabalhou apenas seis meses, tirou férias e foi visitar Disney e Paris em vez de ir a Calama, Abunã, Bandeirantes ou outros distritos mais necessitados. A coisa está tão deprimente por aqui que o porto no rio Madeira, que dá nome à capital, é hoje um barranco escorregadio, escuro, sujo e íngreme como que sugerindo uma infeliz semelhança com a maltratada urbe. Enfim, um porto muito velho mesmo. Triste ironia: hoje os mais ardorosos defensores daqui moram fora e de lá mandam “loas” dizendo hipocritamente que amam o que já há tempos abandonaram.
            Com menos de 3% de rede de esgotos e só com 31% de água tratada, no verão a fumaça das criminosas queimadas dá o tom todo ano ao visual urbano. Desflorestada e sem nenhum planejamento, a capital mais suja do Brasil é cortada por antigos igarapés que já viraram esgotos pútridos escorrendo a céu aberto. Sem porto, sem rodoviária decente e com um aeroporto que quase não tem voos, Porto Velho está repleta de obras eleitoreiras inacabadas. Talvez por isso, muitos forâneos que para cá vêm, sempre voltam ao seu lugar de origem para acompanhar o nascimento de seus filhos ou para celebrar o casamento sempre longe daqui, que escolheram para ganhar dinheiro. Férias de fim de ano? A cidade se esvazia para lotar as praias do Nordeste e também o centro-sul do país, mesmo tendo as passagens aéreas mais caras do que qualquer outro lugar.
            Em 2009 a jornalista Eliane Brum da revista Época escreveu que “Porto Velho é uma cidade que não é daqui”. Nem daqui nem de nenhum outro lugar. Hoje ela não reconheceria mais a currutela fedorenta. Está muito pior do que antes e a cada ano que passa a situação só piora. “Diferente de outras capitais amazônicas, quase não se veem índios. Praças e espaços públicos são escassos, as calçadas são desiguais e pontuadas por lixo. A atmosfera é pesada e triste. Não parece um lugar para pessoas. Ou pelo menos para exercer a cidadania. Assemelha-se a uma cidade de passagem”, escreveu Eliane. A “antessala do inferno” ainda precisa melhorar e muito para ficar ruim. Escura, apesar das três hidrelétricas, violenta, sem mobilidade urbana, suja e sem árvores lembra uma terra arrasada. Para se amar Porto Velho tem que ser cego ou então não ter senso crítico. Quase sem infraestrutura, o lodaçal é sua marca maior. Até quando, Deus?





*É Professor em Porto Velho.

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