quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Bênçãos sobre Porto Velho




Bênçãos sobre Porto Velho

Professor Nazareno*

Juro que outro dia pensei em sair de Porto Velho para ir morar na paradisíaca Serra Gaúcha ou mesmo na florida, limpa e civilizada Curitiba, capital do Paraná, onde tenho inúmeros parentes. Mas me arrependi assim que acabaram as convenções para a escolha dos candidatos a prefeito nas próximas eleições da capital mais suja, feia e fedorenta do país. Abandonar a “terra dos destemidos pioneiros” para morar em lugares modernos e limpos é deixar para trás um vasto laboratório de pesquisas sociais e antropológicas pronto para ser estudado, compreendido e divulgado ao mundo devido às suas muitas peculiaridades. O perfil dos inúmeros cidadãos querendo ser prefeito ou mesmo vereadores na “capital da podridão” faria celebridades como Lévi-Strauss, Karl Marx, Max Weber ou Émile Durkheim  virem correndo para este conhecido inferno.
A cidade dos “quinhentos mil matutos num canto só” desafia a sua própria lógica existencial ao ter como candidatos “certas tranqueiras” já conhecidas e com possibilidades de lhe administrar pelos próximos quatro anos. E o desdentado e ignóbil povo eleitor, feliz e satisfeito, já ensaia suas briguinhas pelas redes sociais e faz sua torcida junto ao candidato de sua preferência. Na demoníaca relação de postulantes ao desprezível cargo de “alcaide” constam dois que já cumpriram cadeia por terem se envolvido em operações policiais contra a corrupção, um notório incompetente em administrar a coisa pública e mais uns quatro que mais se parecem com a “segunda pessoa do quase nada”. Todos com chances de “levantar o caneco” e comandar a alegre matutada desacostumada com coisas simples e triviais como esgoto e água tratada.
Ficarei pelo menos mais quatro anos em Porto Velho fazendo as devidas observações. E quando “me passar dessa para outra melhor” (que será bem melhor, claro!) quero ir para o inferno. Então o estágio que faço em Rondônia por livre e espontânea vontade me será extremamente útil. Raciocinei com lógica: se eu sair daqui, quem vai falar mal deste lugar? Reeleger “um nada” para mais quatro anos, por falta de opção, seria a maior demonstração de sadismo que uma sociedade poderia dar. Seria, pois ainda tem “coisas” muito piores. Será que nós, eleitores karipunas, merecemos tanta desgraça? Será que somos amaldiçoados? Só pode ser. Ouvi dizer que “votar é legal”. Isso é uma brincadeira de muito mau gosto. Em Porto Velho, por exemplo, votar além de ser obrigatório é uma das piores coisas que um cidadão consciente pode fazer.
Mas as esquisitices da terra que inventou o São João fora de época” não param por aí. Basta dar umas voltinhas pelo centro do que chamam de cidade para perceber que as bênçãos que isto aqui recebe vêm do Satanás e das profundezas do mármore quente. Deus, com certeza, já abriu mão de melhorar esta cidade esquecida e abandonada pelos maus políticos e autoridades escroques. Falar das ruas esburacadas, da poeira do verão e da lama do inverno já virou rotina numa capital sem eira nem beira cuja maior atração turística são os ratos e urubus que infestam suas principais avenidas, onde o esgoto corre a céu aberto para deleite dos habitantes já conformados com tanta desgraceira. As obras públicas inacabadas dão o toque final na “pior dentre as capitais do Brasil em qualidade de vida”. Riam e se sintam felizes com a atual situação sinistra da cidade, pois em Porto Velho é assim mesmo: o que é ruim pode ficar ainda bem pior.



*É Professor em Porto Velho.

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