quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Porto Velho, 98 anos: comemorar o quê?



Porto Velho, 98 anos: comemorar o quê?



Professor Nazareno*


Geralmente quando alguém ou algum lugar está completando anos é motivo de festas e alegrias. A cidade de Porto Velho, capital de Rondônia e que muitos brasileiros ainda confundem como sendo a capital de Roraima ou sequer sabem de sua tosca existência, completou sem nenhuma alegria nem comemorações, no último dia dois de outubro, a incrível idade de 98 anos. Concebida inicialmente como uma cidade sem a menor importância, perdida nos cafundós do país e pertencente ao Estado do Amazonas, o ermo lugar, que ainda não sabe direito a origem do seu esquisito nome, nasceu com a triste sina de apenas beneficiar quem é de fora, no caso os bolivianos, com a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Seu primeiro mandatário, o Major Fernando Guapindaia, veio de Manaus em 1914 e de lá para cá se alternou no poder máximo do município uma penca de prefeitos e prepostos sem nenhuma expressão e que só contribuíram para a derrocada total do lugar. Nenhuma de suas autoridades, nestes 98 anos, nasceu aqui.
A cidade é feia como é muito feia também quase toda a sua gente. É suja e não tem nem nunca teve planejamento urbano nenhum. Vista do alto, se parece com um cemitério ou uma currutela, daquelas dos garimpos. Segundo o Instituto Trata Brasil, tem o menor percentual de água tratada e de saneamento básico dentre as 27 capitais do país. Não tem arborização nenhuma e suas ruas são quase todas tortas e sinuosas. Seus habitantes sofrem o ano todo: no verão é poeira sufocante em todos os bairros e no inverno ninguém consegue andar com tanta lama. Seu trânsito, segundo a revista Quatro Rodas, é o pior do Brasil. Isto numa cidade que tem na área urbana menos de 400 mil habitantes. Um bairro, e dos pequenos, da cidade de São Paulo. Obras inacabadas existem por todos os cantos da área urbana. É talvez a única das cidades do Brasil onde viadutos têm semáforos embaixo. Percebe-se que municípios mais novos como Maringá e Londrina no Paraná ou a Caxias do Sul dos gaúchos são melhores em quase tudo.
Porto Velho nunca teve uma administração de vergonha. Este ano, como é ano de eleições, os habitantes terão ao mesmo tempo uma alegria e uma profunda tristeza: as comemorações serão por conta da saída do atual Prefeito que para a alegria de muitos finalmente deixará o cargo, mas em contrapartida todos sabem que entrará outro pior do que ele. E candidatos não faltam. Todos eles prometendo transformar a fedorenta e bagunçada cidade na Londres, Paris ou Milão dos trópicos. E o pior é que quase todo mundo ainda acredita na lorota absurda, já que há quase uma dezena de novos postulantes à Prefeitura Municipal. Ao contrário destas lindas, maravilhosas e paradisíacas cidades europeias, a capital dos rondonienses não tem nada digno para ser visitado. Aqui, ainda se usa como símbolo um trambolho velho, feio e sem sentido que nada mais é do que um amontoado de ferrugem de cor preta construído por exploradores nos idos tempos e que os nativos chamam orgulhosamente de “As Três Marias”.
A cidade é mal traçada, não tem arborização nas ruas e avenidas, não tem praças, não tem espaços públicos para lazer, as vielas são cheias de lixo e sujeira onde é comum se observarem diariamente cachorros e outros bichos mortos apodrecendo cheios de tapurus e exalando mau cheiro. Vários igarapés cortam a cidade em vários sentidos. Todos já mortos e contaminados recebem esgotos e dejetos e os levam até o rio Madeira. Além do mais, é uma das cidades mais violentas do Brasil. As passagens aéreas para sair são bem mais caras do que para voltar. Aqui quase nada funciona. Água encanada é um luxo quase inatingível para a maioria da população e embora seja chamada de “a cidade das hidrelétricas”, falta energia quase todo dia. Televisão em alta definição existe, mas é de péssima qualidade, a internet, quando funciona, é mais lenta do que tartaruga. O calor é infernal e já marcou a incrível sensação de 45 graus centígrados. Na cidade-inferno, de tão quente e abafada, tem até uma ferrovia do diabo.
Mas há coisas boas por aqui: é quando chegam as férias. Quem pode pega seus “paninhos de bunda” e vai passear no litoral ou então gastar seus “quase nada” no Sul do Brasil ou mesmo no exterior. Futebol, uma marca registrada do brasileiro, não existe  por estas bandas. Não há estádios nem manifestações autóctones de cultura. Quase tudo é (mal) copiado. Não existe festa da padroeira, o carnaval tem o desfile uma semana depois que acabam as festividades de Momo, a Semana Santa é encenada em junho, muitos políticos roubam e ganham como castigo um mês de férias e as festas juninas são realizadas em setembro num local incerto e não sabido. Estão construindo uma ponte muito grande em Porto Velho que ninguém sabe para que servirá, já que não há estradas nem moradias do outro lado do rio Madeira. Apesar desta obra faraônica, onde já se gastaram 300 milhões de reais, as autoridades só falam na Hidrovia do Madeira que levará, via fluvial, o pouco aqui produzido para Manaus e o restante do país. Estão construindo duas grandes hidrelétricas para servir aos outros e provocar desastres ambientais na nossa já castigada natureza. São 98 anos mal vividos por uma população que apesar de tudo está alegre, feliz e satisfeita e que adora entoar mantras fascistas como: “não está gostando, saia daqui”, “os críticos da cidade são ingratos, aqui enriquecem e falam mal de nós” ou o mais bestial de todos, “o caminho do feio, é por onde veio”. Dizem isto como se a catinga, a desorganização, a roubalheira, a falta de esgotos, de água tratada, de saneamento básico e as agruras deste lugar fossem acabar.






*É Professor em Porto Velho.

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