quinta-feira, 18 de abril de 2024

Porto Velho não é a pior capital do País

Porto Velho não é a pior capital do País

 

Professor Nazareno*

 

            Moro em Gramado na Serra Gaúcha. Gosto de viajar e de conhecer novos lugares. Decidi desta vez ir a Rondônia e conhecer a sua famosa capital, Porto Velho. Lá, quero ter todas as experiências possíveis. Chegando à capital dos rondonienses, fiquei de início encantado com tanta cobertura vegetal e com tanta água potável dos inúmeros rios que a circundam. O preço da passagem aérea entre Porto Alegre e Porto Velho me espantou um pouco, pois saiu mais cara do que se eu tivesse escolhido uma capital da Europa para conhecer como Paris, Londres, Viena ou Roma. Mas tenho certeza de que a minha escolha foi a mais correta. Acredito que, como eu, muitos turistas brasileiros também têm esta preferência. E depois de quase um dia e meio de viagem com várias conexões, eis que, já muito cansado e sonolento, finalmente cheguei ao último destino desta escolha turística.

Chegando ao Aeroporto Internacional Governador Jorge Teixeira de Oliveira, um gaúcho igual a mim, fiquei maravilhado. “Esse aeroporto deve ter inúmeros voos para fora do país”, imaginei. Além do mais, Jorge Teixeira só me lembra o Rio Grande. Assim, fiquei muito alegre ao saber que tão longe de minha casa o povo ainda “tece loas” a um conterrâneo meu e o veneram como se fosse um santo. Mas só depois que desembarquei no acanhando campo de pouso é que as coisas começaram a “melhorar” para mim. Duas horas da manhã definitivamente não é um bom horário para se chegar a um lugar longe, afastado e com pouca infraestrutura. Mesmo assim, “a capital das sentinelas avançadas” só me traz boas recordações. Tudo em Porto Velho me encantou. Suas ruas históricas, seu saneamento básico de primeira, sua arborização e os limpos igarapés que cortam a cidade.

Não quis pegar taxi ou Uber, pois eu não tinha ainda um hotel definido. Perguntei o que havia de interessante para ver na cidade. “Tudo aqui é bonito”, diziam. Havia muito lixo espalhado pelas ruas tortas. Como chovia, falaram para eu ir visitar o “encontro das águas” no bairro Nova Porto Velho. Chegando ao local, a rua rio Madeira com a rua Rio de Janeiro fiquei abismado. Pessoas nadando, se divertindo e praticando todo tipo de esporte aquático. Lanchas, barcos e voadeiras disputando cada espaço com os poucos ônibus urbanos era um espetáculo bonito de se ver. Havia ali pessoas jurando que aquela água era potável. “Essa atração é muito antiga em nossa cidade”, dizia um transeunte. “Acredita-se que tenha mais de 50 anos”, informava outro. Nenhum prefeito ainda teve coragem para acabar com esse divertimento da cidade. “É a única praia que temos aqui”.

Andando pela cidade, vi por que quase todos os habitantes daqui são alegres e felizes. Eles têm divertimento de sobra. E Porto Velho nem se compara com Gramado, Curitiba ou até mesmo Campos do Jordão e Canela. Existe coisa mais bonita e moderna do que o Porto do Cai N’água? Ali há muitas aves de cor escura enfeitando a já linda e encantadora paisagem. Um deslumbre só! O Igarapé que passa perto da nova rodoviária se parece com o rio Sena de Paris. Há lindos peixinhos coloridos em suas limpas águas. E a Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré? O povo dessa cidade tem muita sorte. As pessoas daqui são muito hospitaleiras também. Todo mundo me oferecia balinhas de castanha e também de cupuaçu. Fiquei deslumbrado. A culinária é ímpar. Degustei tacacá e muito mandi frito. Quem disser que em Porto Velho é ruim de viver, mente. Para mim é a melhor dentre as capitais do Brasil. Por isso vou voltar outras vezes aqui. Acreditem!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

domingo, 14 de abril de 2024

Temas proibidos nas eleições

Temas proibidos nas eleições

 

Professor Nazareno*

 

            Como ainda vivemos em uma democracia, este ano tem eleições novamente. E isso é muito salutar e bom em um regime político em que prevalecem as escolhas dos representantes no voto. São as eleições municipais para escolher prefeitos e vereadores das cidades. Essas eleições são de menor importância para a conjuntura política do país, mas é esse o pleito que mostra o real valor do eleitor, já que o mesmo mora e vive no município. A justiça eleitoral, no entanto, já está se preparando para as campanhas políticas e adverte que alguns temas são proibidos para os candidatos quando estiverem pedindo o voto dos seus eleitores. Preconceitos, violência, desobediência civil, calúnia, difamação, injúria, promessas e vantagens, dentre outros temas, estão todos proibidos. Aliás, sempre estiveram. E isso demonstra o grau de civilidade esperado pelos tribunais.

Não será tolerada também nenhuma narrativa que deprecie a condição ou estimule a discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação a sua cor, raça ou etnia. Porém, no caso específico de Porto Velho, a insólita capital de Roraima, alguns temas também deveriam ser proibidos para quem vai pedir o seu voto. Não dizer, por exemplo, que é um candidato representante das esquerdas. Em Rondônia e principalmente na capital nunca houve um só candidato que representasse essa posição ideológica. Quase todo político daqui é da direita e também da extrema-direita. Ricos, abastados, bem sucedidos, alguns são oriundos da elite reacionária, moram bem, têm carros de marcas caras e até passam férias todo ano nas paradisíacas praias do Nordeste e mesmo no exterior. Nenhum deles mora, por exemplo, lá na zona leste da capital e nem na zona sul. Seria a esquerda festiva?

Deveria ser proibido também o candidato dizer que é da oposição. Qual o político local que já fez oposição a quem quer que seja? Conheço algumas cidades do Estado em que 100 por cento dos vereadores estão do mesmo lado do prefeito e também compactuam com ele. Mesmo aqueles que foram eleitos por partidos ditos de oposição. Essa bisonha atividade do Legislativo, “lamber botas” do Poder Executivo, infelizmente não é uma invenção rondoniana. No Brasil inteiro se percebe esta cretinice na maior cara de pau. Hoje em dia é cada vez maior o número de políticos locais que já tecem loas a Lula. Antes, a adulação era para o Bolsonaro. Fica proibido também falar qualquer coisa sobre o IPAM, o Porto do Cai N’água de Porto Velho e também da Praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Os milhares de urubus e de ratos de lá podem ficar muito aborrecidos.

Outro assunto que também deveria ser um tabu nas próximas eleições da “capital das sentinelas avançadas” é a construção do moderníssimo “Built to Suit” para substituir o eterno “açougue” João Paulo Segundo. Apesar de ser uma obra estadual, ela está muito ligada aos munícipes. Falar até pode, mas só se for para mostrar que as obras estão “de vento em popa” e que muito em breve serão entregues à população mais carente do Estado e da capital karipuna. E nada de falar dos inúmeros “palácios suntuosos” que foram construídos nessa capital nos últimos anos. Tudo isso em detrimento de um hospital de pronto-socorro de vergonha para os porto-velhenses pobres. Os candidatos a prefeito e a vereadores serão muitos (como sempre) e todos eles com o “desejo de trabalhar” pelos mais necessitados. Deve-se evitar o estresse e não dizer nada sobre saneamento básico, arborização, mobilidade urbana e a água tratada na cidade. Não é censura. É a realidade!

 

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Uma cidade sem expectativas

Uma cidade sem expectativas

 

Professor Nazareno*

 

            Porto Velho, a eterna capital de Roraima, é uma cidade totalmente sem nenhuma expectativa. Tanto no sentido real como no sentido figurado. A realidade da cidade é sombria, sinistra, macabra, sepulcral, totalmente incerta e sem esperanças de dias melhores. Recentemente foi declarada como a pior dentre as 27 capitais do Brasil. O Instituto Trata Brasil, pela décima vez consecutiva, mostra com números irrefutáveis que a “capital das sentinelas avançadas” detém os piores números em saneamento básico, água tratada e qualidade de vida. Mas, por incrível que pareça, a maioria dos seus habitantes parece estar feliz e satisfeita com a tenebrosa situação. Pesquisas recentes dão conta de que a capital de Rondônia tem uma das menores expectativas de vida do mundo. Aqui se vive somente uns 61 anos. Além de vergonhoso, esse número é hilário e absurdo.

            Um cidadão que nasceu e ainda vive em São Luís do Maranhão, Teresina no Piauí, Cuiabá no Mato Grosso e até em Rio Branco, a insólita capital do Acre, tem uma expectativa de vida bem maior do que aquele cidadão que teve a má sorte e a infelicidade de ter nascido por aqui às margens do rio Madeira. Vergonhosamente Porto Velho perde até para países ridículos da África subsaariana como Camarões, Sudão e Eritreia. Perde também para o Haiti, o país mais pobre do hemisfério ocidental. Em expectativa de vida, nós praticamente só empatamos com o Afeganistão dos talibãs, com a Etiópia, com Ruanda e o Quênia. Até a Bolívia, país que muitos rondonienses já se acostumaram a falar mal, tem uma expectativa de vida superior a 71 anos. Além de não ter nenhuma expectativa, Porto Velho também não tem sequer um porto de passageiros no rio Madeira.

            A cidade praticamente também não tem um aeroporto que preste. Pelo ar, estamos isolados já há quase um ano e ninguém toma providências. Várias companhias aéreas fazem boicote na cara das autoridades e se recusam a aumentar o número de voos diários naquele tosco “campo de pouso”. O porto de passageiros é uma nojeira só. Chegando de barco pelo Madeira a recepção que se tem é um barranco cheio de lama podre e repleto de urubus e carniça. Outro dia contei pelo menos 85 aves de rapina voando por ali. Quem é o responsável por aquela área abandonada? O DNIT? A Santo Antônio Energia? A Câmara de Vereadores? A prefeitura de Porto Velho? O governo do Estado? Ora, se a prefeitura ainda não entregou ao povo nem a praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Quem lambe botas dessas autoridades devia era se envergonhar das condições do “porto”.

            E este ano tem eleições municipais. Mas quem está preocupado com o Baixo Madeira e com as pessoas que moram em São Carlos, Nazaré, Ilha de Assunção, Terra Caída, Conceição do Galera ou até mesmo Calama? Juntando todas essas simpáticas vilazinhas não há mais do que uns dois ou três mil eleitores. E pior: são quase todos eleitores pobres. Político, de um modo geral, não se preocupa com gente pobre nem com pouco voto. Deve ser por isso que o porto do Cai N’água é um lixo só. E aqueles urubus ali, além de serem a vergonha para os defensores da abandonada cidade deviam ser também o símbolo da decadência de Porto Velho e de seus ricos, abastados e insensíveis administradores. A síndrome da “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre se aplica muito bem a esta triste situação. O povo do Baixo Madeira devia merecer mais respeito, pois a “capital dos destemidos pioneiros” iniciou por Calama e adjacências. Sacanagem!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Como os tempos mudaram!

Como os tempos mudaram!

 

Professor Nazareno*

 

Tenho 65 anos e vivi o suficiente para ver coisas que antes eram impensáveis nesse Brasil e também em Porto Velho. A UNIR, Universidade de Rondônia, única instituição pública de ensino superior no Estado, inaugurou recentemente, depois de quase meio século de existência, o seu Restaurante Universitário para a alegria dos poucos alunos que ainda teimam em estudar naquele distante estabelecimento de ensino. Vamos agora torcer para que o mesmo não feche as suas portas de forma prematura como aconteceu com um restaurante popular que havia no centro da cidade. A luta a partir de agora no campus José Ribeiro é para se ter um Hospital Universitário. Quem sabe durará também outro meio século para isso. Tudo normal para Rondônia, que tem vários cursos de Medicina em faculdades particulares e nenhuma delas tem hospital para treinar os futuros médicos.

Vivi para ver a extrema-direita do Brasil falando mal de um ministro do STF, o Alexandre de Moraes, que foi indicado pelo ex-presidente golpista Michel Temer. Todos esperavam que o “vampiro” Temer, que deu um golpe na Dilma e no PT, indicasse um ministro somente para obedecer às ordens dele e de toda a direita e da extrema-direita. Quebraram a cara! Moraes peitou o inútil e golpista ex-presidente Bolsonaro e certamente vai colocá-lo na cadeia por que o mesmo tentou dar um golpe de Estado. Aliás, é algo também inédito nesse Brasil: uma tentativa de golpe de Estado sendo minuciosamente investigada pelas autoridades e com reais chances de punições exemplares para todos os envolvidos na sórdida tramoia. É só uma questão de tempo para Jair Messias Bolsonaro e seus asseclas serem presos. Não tem preço ver nossa frágil democracia triunfar no caos.

Outra mudança incrível no tempo é ver hoje os reacionários e a elite falando mal da rede Globo de Televisão. E quase todo mundo sabe que Roberto Marinho foi um dos incentivadores do golpe civil-militar de 1964 que instalou uma assassina Ditadura Militar no Brasil. O refrão “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo” era um bordão da esquerda. Mas uma das esquisitas coisas de ser ver nos dias atuais são os evangélicos do Brasil tecerem loas a Israel, um país judeu. Como pode esses evangélicos adularem um país cujos ancestrais prenderam, crucificaram e mataram Jesus Cristo, o líder desses mesmos evangélicos? Pior é ver parte da mídia, em plena democracia, censurar textos só por que falam mal do prefeito, do governador ou de outro político qualquer.  A mídia censurando textos por causa de alguns trocadas é algo surreal. É de causar inveja em muitas ditaduras.

Porém, o festival de bizarrices não para por aí. Vi e vejo, na área da política, “com estes olhos que a terra há de comer” um prefeito de pouca expressão ter 100 por cento de apoio dos vereadores de sua cidade. Como pode esse mesmo prefeito não dar água encanada, saneamento básico, mobilidade urbana e nenhuma qualidade de vida aos seus tolos munícipes e ainda ter toda essa aprovação? É hilário e no mínimo estranho. E uma cidade podre e imunda sendo amada e defendida pelos seus acomodados habitantes? Onde já se viu isso? Seria já o fim dos tempos? E todos nós vemos a Amazônia sofrer com secas inclementes como as do Nordeste. É, as coisas estão mudadas mesmo! E “na pisada que vai” daqui a pouco em qualquer cidade os voos sairão do aeroporto durante o dia. E terão voos diários e para qualquer lugar do Brasil e do mundo. Até vi presos fugirem de uma penitenciária de segurança máxima e não serem recapturados. O que mais vai acontecer?

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

domingo, 31 de março de 2024

Democracia ainda sob ameaça!

Democracia ainda sob ameaça!

 

Professor Nazareno*

 

            Criada pelos gregos na Antiguidade Clássica, a atual democracia só foi mesmo implantada no final da Idade Moderna. A Inglaterra, os Estados Unidos e a França, necessariamente nesta ordem, foram os primeiros países a implantá-la nas suas sociedades. Isso apesar de a Inglaterra ser um reino e de ter reis governando sua gente. É até hoje uma democracia parlamentar. Já no Brasil, que na área da política praticamente copia tudo o que vem do mundo desenvolvido e civilizado, a democracia só apareceu muito tempo depois de proclamada a República. Embora em todo este tempo, de 1889 a 2024 o termo sempre foi reivindicado por todas as formas de governo e por todos os políticos que já governaram o nosso país. Mesmo durante a assassina e cruel Ditadura Militar, a explicação na época era a de que deram um golpe para “salvar a democracia”.

            Os fardados só se esqueceram de dizer que o Brasil, em 1964, já vivia com o presidente João Goulart em uma democracia plena e a então tomada do poder por meio de tanques e baionetas não salvou nenhuma democracia, apenas matou no nascedouro a que a duras penas nós tínhamos na época. Ou seja, os militares brasileiros, a serviço da elite reacionária, romperam de forma unilateral o regime democrático que havia no país e implantaram uma ditadura. Depois, a reação foi só de alguns raríssimos setores da sociedade. A não ser que o conceito de democracia, para a elite e para os militares, seja o fechamento do Congresso Nacional, a tortura de oposicionistas, a proibição de eleições diretas para vários cargos políticos, exílios, assassinatos, dentre outras características só vistas em ditaduras como a de Hitler, de Augusto Pinochet, Mussolini, Franco e de outras.

            Em 2023, o ex-presidente Jair Bolsonaro, mais um dos filhotes da vil Ditadura Militar, tentou dar um golpe de Estado nele mesmo e assim evitar, na marra, a posse do presidente Lula, que, até que se prove o contrário, foi eleito de forma limpa e democrática. Oriundo das Forças Armadas, onde infelizmente ainda reina uma certa mentalidade golpista, Bolsonaro e sua turma têm que ser condenados e presos para que a democracia nunca mais seja ameaçada no Brasil. Só que todos os golpistas de hoje clamam aos quatro ventos que são defensores dela, assim como diziam os seus antepassados de 1964. A Ditadura Militar governou por exatos 7.655 dias e só caiu de podre. Neste período dos anos de chumbo, a nossa democracia era estuprada todo dia. Hoje, com 39 anos, é o tempo mais longo que o país já viveu com total liberdade. Porém, ainda assim, ela está ameaçada.

            Claro que a democracia do Brasil não é perfeita e por isso não pode ser comparada com a dos países ricos, justos e civilizados. Mas hoje, 71% dos brasileiros a apoiam. E para resolver os problemas dela, a solução é ter mais democracia. Os políticos têm de entender que um regime democrático tem que ser vivido na prática diária, pois “a ciência política é a mais importante dentro de qualquer sociedade”. Nada de conchavos, de “panelinhas” infames com o Poder Executivo dentro das câmaras municipais, das assembleias legislativas e do Congresso Nacional. Nada de apoio irrestrito só por causa das verbas. Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes paralelos na sociedade, justos, independentes e harmônicos entre si. Cada um com a sua função para atuar. A democracia tem que ser vivida levando-se sempre em consideração o seu bem maior: a liberdade do povo. E para quem pregar tirania ou golpe: cadeia! E democracia com ameaças é ditadura!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Foram 434 mortos e desaparecidos!

Foram 434 mortos e desaparecidos!

 

Professor Nazareno*

 

                  Isso sem falar em quase 2 mil torturados. Foi esse o triste saldo da terrível, antidemocrática, cruel, infame, tosca, covarde e assassina Ditadura Militar que governou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985. O golpe foi dado no dia 31 de março e jogou o país numa escuridão política de mais de duas décadas. Há exatos 60 anos, a elite retrógrada e reacionária do país usou as Forças Armadas para golpear as instituições democráticas e instalar um dos regimes mais asquerosos e sanguinários de que se tem notícia. Em plena Guerra Fria, que opunha capitalismo e comunismo, os Estados Unidos, com medo do surgimento de uma nova Cuba no continente e ainda escaldados com a recente crise dos mísseis com a ex-União Soviética em 1962, patrocinam regimes de exceção em todo o continente, contando para isso com os governos locais e a ajuda das elites anticomunistas.

                   A partir de 1963, do México à Terra do Fogo, no extremo-sul da Argentina, os ianques apoiam e instalam regimes militares ditatoriais subservientes a Washington. No Brasil, o terror começou em 1964. Os grandes empresários nacionais como Amador Aguiar do Bradesco, Roberto Marinho da Rede Globo, Olavo Setúbal do Itaú, Sílvio Santos, Paulo Maluf, dentre muitos outros industriais, grandes investidores e também latifundiários, todos com medo do comunismo, “usaram” os militares para consumar o vil golpe de Estado naquele fatídico ano. Para proteger as riquezas da elite nacional, os milicos não pensaram duas vezes para romper com a ordem democrática vigente e implantaram um regime de exceção com mortes, perseguições a oposicionistas, torturas, exílios, assassinatos e censura. E tudo isso para “salvar a democracia”. E assim foi feito!

                   Com a força dos tanques e das baionetas, os militares investem contra todos os que não concordam com o seu projeto de governo espúrio. Sem terem tido um só voto para governar o país, os fardados proíbem algumas eleições diretas, fecham o Congresso Nacional, cassam opositores e criam, depois, a figura do senador biônico. Presidente da República, governadores dos Estados, prefeitos das capitais e das cidades consideradas por eles como “área de segurança nacional” não tinham mais eleições diretas e todos os “eleitos” desses lugares eram antes escolhidos, claro, pelos militares e também pelos “seus amiguinhos”, os caciques locais. Até uma oposição de araque os militares souberam escolher: foi o MDB, o Movimento Democrático Brasileiro, que fazia uma “oposição de mentirinha” à ARENA, a Aliança Renovadora Nacional, o partido dos militares e da elite.

                   O governo militar criou também os famosos DOI-CODI, centros de torturas a oposicionistas. Lá, críticos do regime e adversários políticos eram submetidos a sessões intermináveis de interrogatórios e muitos deles foram friamente assassinados. O coronel do Exército, Carlos Brilhante Ustra, herói do ex-presidente Jair Bolsonaro, comandou por muito tempo um desses centros de terror. O jornalista Vladimir Herzog, o operário Santo Dias e também vários outros cidadãos brasileiros que não concordavam com a truculência do regime militar imposto no país foram mortos depois de serem torturados. A censura às músicas, ao cinema, teatro e às artes também foi usada como “programa de governo” por essa gente dos quartéis. Filmes, novelas, músicas e as peças de teatro só tinham a exibição garantida se passasse antes pelas mãos de um censor. Por isso, não há o que se comemorar neste 31 de março. Só lamentar. Golpe não se comemora. Repudia-se! Ditadura? Jamais!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.


sábado, 23 de março de 2024

Por que somos a latrina do Brasil?

Por que somos a latrina do Brasil?

 

Professor Nazareno*

 

            Na semana passada, o ITB, Instituto Trata Brasil, divulgou o ranking nacional de saneamento básico e de água tratada das cidades do Brasil relativo ao ano passado, 2023. Praticamente nenhuma novidade nos números. Porto Velho, a insólita capital de Roraima, ficou em último lugar dentre as cidades com mais de cem mil habitantes. Dessa forma, a “capital das sentinelas avançadas” é a pior dentre todas as 27 capitais existentes no país. A cidade considerada a melhor do Brasil nestes aspectos é Maringá, a “cidade canção”, localizada no interior do progressista, rico, desenvolvido e moderno Estado do Paraná. O grande abismo que separa as duas cidades em termos de limpeza, de mobilidade urbana, arborização, organização, água potável oferecida à população, qualidade de vida e de rede de esgotos pode ser medido em anos-luz. Maringá é um céu. Já Porto Velho é o inferno.

            Uma cidade, se é que se pode chamar Porto Velho de cidade, é o oposto da outra. Ambas têm quase a mesma população residente: cerca de uns 420 mil habitantes. A florida, arborizada e limpa Maringá é a terceira cidade mais populosa do Paraná enquanto Porto Velho é a capital de um Estado. A “cidade canção” tem nada mais nada menos do que 100 por cento de saneamento básico e de água tratada para os seus felizes e alegres moradores. Já a “capital dos destemidos pioneiros” é um lodaçal só. Merda, esgoto a céu aberto, animais mortos no meio da rua, lixo, ratazanas, poluição, catinga, tapurus, mato, urubus, água suja, lodo, dentre outras nojeiras, é o que se vê quando se anda pelas tortas e escuras ruas da capital mais suja do país. Maringá é nova. Foi emancipada em 1951. Tem, portanto, só 73 anos. Porto Velho já é uma senhora com quase 110 anos de podridão.

            Maringá tem o moderno Terminal Intermodal. Porto Velho nem ônibus urbanos decentes tem. Tentem pegar o Interbairros 030 num dia de domingo ou feriado. Duas, três horas de espera. Chegando ao aeroporto da cidade, por exemplo, qual ônibus se deve pegar para ir ao centro? Mas qual o porquê de se ter tantas diferenças entre esses dois lugares se estamos no mesmo Brasil? Por que uma cidade é quase o Primeiro Mundo e a outra é uma imitação grosseira da África Subsaariana? O povo que mora em Maringá gosta de conviver com a limpeza enquanto os porto-velhenses detestam? Os paranaenses cobram mais de suas autoridades e os rondonienses se acomodam? O que está por trás desses fenômenos? Porto Velho tem mais de cem anos e possivelmente uma classe política que só pensa em si. Talvez as autoridades de Maringá pensem mais no seu povo...

            O IPTU que se paga no interior do Paraná é muito mais barato do que o de Porto Velho. E isso é muito revoltante. Nós, coitados moradores daqui, moramos mal, vivemos mal, não temos mobilidade urbana, arborização, lazer, não temos parques ou praças. Não temos IDH e ainda somos obrigados a viver no meio da carniça. Alguém conhece o Parque do Ingá? Aquilo ali mais se parece com os Jardins de Versalhes próximo a Paris, com o Parque Eduardo VII em Lisboa/Portugal, ou o Volksgarten de Viena. Porto Velho nem praça tem. A histórica e reconhecida internacionalmente Madeira-Mamoré, com os seus muitos ratos, urubus e catinga de peixe (pitiú), nem foi entregue ainda à população. Devíamos fazer mais por esta maltratada urbe e também cobrar mais da nossa classe política. Como pode há tanto tempo entrar e sair tantos prefeitos e vereadores e nada muda para melhor? Seria por isso que perdemos tantos habitantes enquanto Maringá só cresce?

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quarta-feira, 20 de março de 2024

“Built to Suit” em Cuité

Built to Suit” em Cuité

 

Professor Nazareno*

 

            Cuité de Chica Gorda é uma dessas cidadezinhas sem eira nem beira situada nos cafundós do Brasil. É um rincão inóspito, atrasado e distante de tudo. A maioria de seus poucos habitantes, no entanto, são pobres, miseráveis, semianalfabetos e quase todos eleitores reacionários da direita e da extrema-direita. Eles são muito religiosos, pois acreditam em Deus, Jesus Cristo, Papai Noel e também nos poderes do boto tucuxi. Cuité não tem rede de esgotos nem água tratada, apesar de se localizar bem próximo a um grande açude natural com água potável. Os cuiteenses não têm nem nunca tiveram uma medicina de qualidade. Há apenas umas três universidades com curso para formar “doutores”, mas nunca tiveram sequer um hospital universitário. Hospital de pronto-socorro também não há no município. Existe só um velho “açougue” que diz cuidar dos pacientes pobres.

            Dizendo-se bastante preocupadas com a pobre população cuiteense, as fingidas autoridades resolveram construir um novo hospital de pronto-socorro para a localidade a fim de substituir o velho e imprestável “açougue”, que sempre se pareceu com um campo de extermínio de pobres. E assim ficou decidido. Pela oitava vez, escolheram um lugar ermo e deram início à construção. Trouxeram até uma firma de renome internacional para tocar o fictício empreendimento, a “Sem Nenhum Vigor”. No dia de lançar a pedra fundamental para a obra, que nunca vai existir de fato, os políticos fizeram calorosos discursos, uma banda de música tocava hinos militares, governo e oposição dando as mãos e o povo ignorante aplaudindo aquele pseudo investimento. “Cuité de Chica Gorda agora vai fazer parte do progresso e do desenvolvimento nacional”, diziam os políticos.

            A “Sem Nenhum Vigor” é uma holding internacional da área da construção civil e todos acreditam que em pouco tempo entregará o empreendimento à população. O sistema tem até um nome em inglês: “Built to Suit”, que numa tradução livre significa “construído para se adequar”, e vai revolucionar totalmente o conceito de construção civil em Cuité de Chica Gorda, acreditam todos. Possivelmente a única universidade pública do lugar vai encomendar também um hospital universitário para atender ao povo pobre dali. Em muito pouco tempo, obras fictícias brotarão por todos os cantos dessa esquecida Cuité. Já há relatos, entre o meio político, da criação de um novo sistema para a construção civil em larga escala. É o “Promises and lies”. Os senadores, deputados estaduais e federais, vereadores e prefeitos não escondem o seu contentamento: “a era do sofrimento acabou”.

            Atualmente Cuité de Chica Gorda vive um sério problema nos transportes: algumas empresas de carroças reclamam da judicialização excessiva contra elas e por isso reduziram as charretes. É que, segundo essas mesmas empresas, alguns passageiros reclamam muito por qualquer coisinha. Mas a classe política cuiteense já está atenta a tudo. Vai resolver não só esse, mas qualquer outro perrengue que aparecer. Por lá já se fala em construção de passarelas e também de um porto de vergonha para os ribeirinhos usarem no açude da cidade. Com o sistema “Promises and lies” e a megaempresa “Sem Nenhum Vigor” no comando, tudo ficará mais fácil para aquela cidadezinha. O povo não vê a hora de usar a estrutura do seu novo pronto-socorro, que terá nada mais do que 399 leitos, 10 salas de cirurgia, 64 leitos de UTI, área de hemodinâmica, além de farmácia, laboratórios e muitas outras funções. O Sírio-Libanês que se cuide. Vai ter concorrência!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Rondônia já prestou um dia

Rondônia já prestou um dia

 

Professor Nazareno*

 

            Por incrível que pareça, Porto Velho e Rondônia já foram lugares bons para se viver e para se morar. E não faz tanto tempo assim. Foi entre as décadas de 50 e 80 do século passado. Naqueles idos e bons tempos quase ninguém confundia Rondônia com Roraima e as pessoas aqui viviam mais felizes, pelo menos aparentemente. A desgraceira começou quando se teve a má ideia de transformar o então Território federal em Estado no início dos anos de 1980, coincidentemente a mesma época que eu passava por estas distantes terras em direção ao Peru. O lugar tinha futebol e dos bons. Quem não se lembra do Ferroviário, do Moto Clube, do Flamengo, o rolo compressor da Arigolândia, do Ipiranga e de tantos outros? O campeonato estadual era concorrido e o Aluizão se enchia em dia de clássico. Hoje, só lembranças! Junto com o território, o futebol também acabou.

            Atualmente nem Porto Velho nem Rondônia têm futebol que preste. Torcedores dos grandes times do sul do país “invadiram” o recém-criado Estado e destruíram o nome do bom futebol que havia aqui. O Porto Velho, criado bem recentemente e cujo escudo é uma imitação tosca do Bayern de Munique da Alemanha, é um time fraco e sem nenhuma tradição. Ganhou em casa por acaso do fracassado Remo do Pará e logo os seus 4 ou 5 torcedores já acharam que era uma boa equipe. Em seguida, perdeu para o Ypiranga de Erechim do Rio Grande do Sul e deu adeus à Copa do Brasil. Outro time de Porto Velho é um tal Genus (sem acento mesmo) que nem merece comentários. O interior tem outras equipes bem fracas e com nomes também surreais: Real Ariquemes, Barcelona, Vilhena, União Cacoalense e o Ji-Paraná. Só seis equipes e um campeonato que se diz de futebol.

            Naqueles bons tempos, a Cachoeira do Teotônio ainda existia e tinha muitos peixes. Lá se pescava até com a mão. O divertimento era garantido durante os finais de semana do verão amazônico. Pescar Jatuaranas, Surubins e Dourados no Cai N’água era também um dos bons programas de domingo com a família. Andar de trem para o Santo Antônio era um divertimento e tanto. A lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré tinha uma praça linda e grande. Lá havia muitos trens, trilhos e era muito visitada. Uma praça do povo. Antes, Rondônia recebia multidões. Hoje, muitos estão indo embora. Aqui era uma dádiva de Deus: não tinha Assembleia Legislativa e só se elegia a cada quatro anos um deputado federal. Porto Velho até tinha uma Câmara de Vereadores, mas os edis de então nem sempre estavam alinhados com o prefeito. Fato: éramos felizes e não sabíamos!

            E quem não se lembra da Avenida Sete de Setembro repleta de árvores? O calor exista, mas não era tão forte como é hoje. A cidade era bem menor, mas muito mais arborizada. Mesmo sem esgotos, mobilidade, água encanada e sem saneamento básico, o sofrimento nesta capital não era como é atualmente. Violência, só nos garimpos e bem longe do perímetro urbano. Drogas, quase não havia. O governo federal mandava dinheiro aos montes para cá. Naquela época de ouro, a capital rondoniense não vivia sob o risco iminente de uma inundação. Não havia crise aérea nenhuma e muitas pessoas viajavam tranquilamente de avião sem ter que pagar uma fortuna para isso. A mídia da época vivia sob o controle do Estado, é verdade. Mas muitos jornalistas se sobressaíam tentando emplacar suas publicações. Hoje a censura é econômica e poucos podem publicar seus textos sem serem tolhidos pelos donos dessa mesma mídia. Triste, mas o tempo não volta!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Eu, um prefeito perfeito!

Eu, um prefeito perfeito!

 

Professor Nazareno*

 

            Até hoje, por questões óbvias, só escondi da minha esposa, a Francisca, que eu sempre quis ser prefeito de Porto Velho, a capital de Roraima. Entre a simpática vila de Calama no baixo Madeira e esta cidade, eu já tenho mais de quatro décadas morando e pagando IPTU, além de muitos outros impostos. Sempre foi meu sonho mudar a cara da “antessala do inferno”, da “currutela fedida”, da eterna “latrina do Brasil”. Não vejo nenhuma razão para os muitos estúpidos e ignorantes eleitores daqui não votarem em mim. Com pouquíssima leitura de mundo, direitistas, bolsonaristas, pobres de direita, reacionários e se informando somente pelas redes sociais e através das fofocas, não é muito difícil conseguir votos e apoio dentre eles. Nem vereador eu quero ser. Para mim é um cargo inútil e desnecessário. Dispenso! Vereador é só um. Prefeito, domina todos eles.

            Eu sendo alcaide não teria nenhuma dificuldade para administrar a tosca e imunda cidade. De início “compraria”, sem muitas dificuldades, o apoio total da câmara de vereadores. Em Porto Velho eu seria uma espécie de Vladimir Putin e até melhor do que Jesus Cristo, que teve oposição e por isso foi crucificado e morto. Seria um Benjamin Netanyahu desfilando sobre os escombros de Gaza. Claro que eu não seria um ditador, mas daria “benesses” à imprensa e bonificaria os sites, jornais e rádios que mais enaltecessem a minha administração. Mudaria o sentido da Avenida Sete de Setembro e mandava construir, com recursos próprios, dois shoppings: um na Jatuarana e o outro na Avenida José Amador dos Reis. Duplicaria o número de mototáxis da cidade e de imediato já mandava refazer o porto do Cai N’água, que está enferrujando na beira do rio.

            Todas as três praças de Porto Velho seriam floridas, limpas e aconchegantes para os visitantes. A da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seria um brinco de tão asseada e útil aos moradores daqui. Lá, teria uma espécie de passeio público com porto rampeado, modernas pistas de caminhadas e vários mirantes para os otários verem o espetáculo do pôr do sol. Nenhum urubu nem catinga de peixe. Pitiú seria engarrafado e vendido aos saudosistas. Pagaria por cada pássaro morto, ratazana de esgoto e animais peçonhentos somente para limpar aquele ambiente pútrido e fedorento. Da nova rodoviária, mandava retirar todos os noiados e pedintes. Mas o igarapé dos tanques que a rodeia permaneceria com a mesma aparência e aroma. Os muitos visitantes iriam adorar ao saber que o prefeito eleito caracterizou o nome “capital da fedentina” com o ambiente onde recebe os turistas.

            Comigo na prefeitura, as árvores antigas a cidade não teria mais uma sequer. Mandava arrancar todas elas como foi feito na Avenida Tiradentes e mandava plantar somente mudas de louro-bosta e de Muratinga. Já pensou Porto Velho fedendo a bosta nos primeiros ventos da primavera? E nada de aumentar a oferta de água tratada nem de saneamento básico. A população já está satisfeita com os números que existem. Percebe-se isso nas votações que os nossos políticos recebem todo ano de eleições. Votem em mim, por favor! Como prefeito, determinarei a suspensão imediata da construção do hospital “Built to Suit” lá na zona Leste da cidade. Mandarei construir outro “açougue”, que tão bem tem servido à população pobre e miserável do município. O porto-velhense não aguentaria ver a demolição do João Paulo Segundo, que já faz parte da nossa rotina. Não entendo porque os eleitores não votariam em mim. Professor Nazareno ao seu dispor!

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sábado, 9 de março de 2024

Brasil, o novo Evangelistão

Brasil, o novo Evangelistão

 

Professor Nazareno*

 

            Fala-se que religião, política e futebol não se discutem. Bobagem, tolice, asneiras. Discutem-se, sim! Tudo é passível de discussões, pois a dialética sempre fez parte da natureza humana. O que não se devia fazer é misturar essas atividades entre si. No Brasil, já há algum tempo, infelizmente, a política entrou na religião para não mais dela sair. Padres, pastores, bispos e religiosos de um modo geral se candidatam a cargos políticos para continuar mandando em suas ovelhas. Para Sêneca, filósofo da Antiguidade, a religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa e pelos governantes como útil. Muitos desses religiosos perceberam o poder que tinham sobre as pessoas mais incautas e decidiram assim aumentar ainda mais esse poder sobre elas. Entraram na política e passaram a dominar um número cada vez maior de “ovelhas”.

            Hoje, é cada vez maior a influência de pastores evangélicos nos destinos políticos do Brasil. Embora haja também a participação de outras religiões na política nacional, só que em menor escala. Marco Feliciano, Silas Malafaia, R.R. Soares, dentre muitos outros, aparecem diariamente na mídia dando entrevistas e influenciando ainda mais os seus fiéis e agora eleitores. Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder entre 2019 e 2022, no entanto, essa ingerência e essa mistura de religião com a política se intensificaram. Até no STF, o sisudo Supremo Tribunal Federal, tem hoje um de seus ministros sendo chamado de “terrivelmente evangélico”, embora o Estado seja laico. A direita e a extrema-direita principalmente são o viés ideológico da maioria desses novos políticos. Pautas conservadoras e reacionárias são defendidas por eles. Bem como o negacionismo.

            Muitos dos cidadãos, recém-convertidos à fé evangélica, seguem fielmente seus líderes sem nenhum questionamento de suas posições. Muitos deles fazem exaltação a Israel sem perceber que o país do Oriente Médio é formado majoritariamente por judeus. E que foram eles, os judeus, que mataram Jesus Cristo, o maior líder desses mesmos cristãos evangélicos. A Talmude, coletânea de livros sagrados dos judeus, por exemplo, diz que Jesus Cristo ainda arde no fogo do inferno. E que o mesmo não é filho de Deus, mas apenas um simples profeta. Mesmo Israel moderno é uma nação democrática e livre onde o aborto é legalizado e que tem em Tel Aviv, sua capital, a maior parada gay de todo o Oriente Médio e talvez uma das maiores do mundo. Em Israel todas as religiões são permitidas e a democracia faz parte da realidade de toda a sua gente. Como entender isso?

            Mas não compreender a História faz parte da maioria das pessoas sem leitura de mundo e sem nenhum conhecimento da realidade que os cerca. Seguir a filosofia de Jesus Cristo e fazer exaltação ao Estado judeu ao mesmo tempo são coisas incompatíveis, sem nenhum sentido. Os judeus foram o carrasco do Salvador e filho de Deus! “Mas se o padre ou o pastor quer e manda, não há problema nenhum”. O Brasil é e sempre foi uma nação “onde os loucos estão guiando os cegos” como na fábula de Shakespeare. Todo mundo tem o direito de seguir uma religião, mas jamais impor seus conceitos e suas crenças a ninguém. E quando se mistura religião com política, como se vê em alguns países muçulmanos, geralmente o que se obtém é uma sociedade baseada no preconceito, na intolerância, na homofobia e na perseguição. São fatos que não podem prosperar num país moderno com Estado laico. Não se pode voltar no tempo. Brasil: um país de “todes”.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.

sexta-feira, 1 de março de 2024

Devo votar, mas não queria!

Devo votar, mas não queria!

 

Professor Nazareno*

 

            Este ano de 2024 haverá eleições no Brasil. E isso é muito bom, pois em uma democracia essa prática é uma doce rotina. Só não entendo porque ao contrário das principais democracias do mundo por aqui o cidadão é obrigado a ir às urnas, mesmo sem querer. Segundo Aristóteles, a política é a mais importante ciência da sociedade. Por isso, votar e ser votado é algo salutar e até prazeroso. Se não houvesse eleições, seríamos uma ditadura cruel e sanguinária como foi a Ditadura Militar instalada em 1964 com a ajuda e a conivência da elite fascista do país, quando os fuzis e as baionetas ditavam as regras. Sem democracia, por exemplo, Bolsonaro e a sua turma de aloprados terraplanistas e negacionistas teriam anulado as últimas eleições e na maior cara de pau poderiam ter dado um golpe e tomado o poder. Porém, as nossas instituições impediram essa violência tosca.

            Agora as eleições serão só nos municípios. Vamos escolher os novos prefeitos e vereadores das nossas cidades. Mas o pleito continua equivocadamente polarizado. De um lado, a turma da extrema-direita com as suas ideias ultrapassadas e seu projeto de poder sem democracia. É a terra plana, negação às vacinas e à ciência, pena de morte, ausência total de direitos humanos, garimpo ilegal, BR-319, Neoliberalismo, destruição das florestas, ataques ao meio ambiente, demonização do comunismo, privatizações, exaltação a Israel, dentre outras tolices. Do outro lado estão os partidos de esquerda com sua agenda também ultrapassada e com propósitos de fazer o poder público sempre dar esmolas e benesses ao cidadão comum, a vítima da sociedade. Votar num ambiente desses é corroborar e aceitar as sandices discutidas em rede nacional. Um escárnio à inteligência.

            Se na realidade nacional não há bons motivos que nos façam ir às urnas, imagine-se em Porto Velho, a eterna capital de Roraima. Aqui a classe política é uma das piores do mundo. Acredita-se que uns 80 por cento desses políticos não servem para nada. Já os outros 20 por cento para nada servem. São vacas de presépio colocados lá pelo povão que entra ano e sai ano sofre feito sovaco de aleijado. Porto Velho não tem sequer um hospital de pronto-socorro, embora as promessas mentirosas de se construir um sejam diárias. Cadê o “Built to Suit” que seria construído pelo Estado? O pobre eleitor da “capital das sentinelas avançadas” tem mais é que se conformar com o velho “açougue” lá da zona sul. Por que a prefeitura do município não tentou construir um pronto-socorro decente para os seus eleitores pobres? Por que os vereadores e os políticos nada dizem ou falam?

            Eu, como eleitor, não tenho nenhum incentivo para ir votar nessa gente que nada fez nem faz em benefício dos que mais necessitam. O porto rampeado da cidade continua parado enferrujando vergonhosamente lá na beira do rio Madeira. A Praça da E.F.M.M, por exemplo, foi abandonada pela prefeitura sem nenhuma desculpa ao tolo cidadão que paga impostos. A atual crise aérea é uma miséria sem fim para todos nós. E as autoridades se calam. A falta de água tratada, de saneamento básico, arborização, ônibus urbanos e esgotos é uma desgraça que sempre nos acompanhou e que nenhum prefeito ou vereador daqui consegue resolver. Ou não conseguem ou não querem. E a política serve exatamente para que essas demandas sejam resolvidas ou amenizadas pelos que são eleitos a cada quatro anos. Não entendo: por que somos obrigados a votar se não temos respostas para todos esses problemas? E enquanto parte da mídia endeusar esses políticos, nada mudará.

 

 

*Foi Professor em Porto Velho.